segunda-feira, outubro 28, 2002

MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA

A tecnologia ajuda muito a aproximar as pessoas.

Nilton ia fazer 30 anos. Pouca sorte no amor. Compensava suas carências mexendo no seu micro. Sites de notícias. Joguinhos. Troca de fotos. Salas de chat.

Onde sempre existe um coração à procura de bom papo.

- E quem sabe algo mais... rs...

Quem teclava com Nilton era uma mulher chamada Nádya. A conversa estava ficando boa. Combinaram um encontro. Local discreto.

- Porque eu sou casada. Sabe o Memorial da América Latina?

Ficou marcado para dali a dois dias. Sábado. Dez da noite. Nilton sentiu um friozinho na barriga. Sexo e adrenalina.

- Tomara que ela seja uma tarada.

Tudo escuro na obra de mestre Niemeyer. Ao longe, a luz de gás de um pipoqueiro. Friozinho paulista. O coração de Nilton batia forte. O nick da gata repercutia em seu cérebro vagabundo.

- Nádya... Nádya...

Conseguiu com o pipoqueiro uma pequena porção de maconha. Acendeu o baseado para se acalmar. Nádya estava se atrasando. Talvez não chegasse. Nilton mergulhava em fantasias. Desabotoou discretamente a braguilha do jeans desbotadão. Começou a praticar sua modalidade preferida de artesanato.

- Escultura rústica na raiz de mandioca.

Foi quando um vulto se aproximou. Cabelos pelo ombro. Boina inclinada de um lado. Não era Nádya. Era o fantasma de Che Guevara. Apontou para as mãos nada impolutas de Nilton.

- Que es éso, compañero.

Nilton não teve como explicar. Vergonha e pavor de assombração gelaram seu corpo solitário. Num impulso, começou a correr. Não reparou nas sirenes e luzes da polícia. O pipoqueiro Azevedo estava sendo perseguido pelo comércio ilícito na região. Pipocas de chumbo começaram a voar. A voz de Che gritava com autoridade.

- Salida por el centro. Rapidito.

Não deu tempo. Uma bala atingiu o peito de Nilton. Ele cambaleou até uma famosa escultura. A mão aberta com o mapa da América Latina parecia acolhê-lo de forma mística.

- Nádya... Nádya... serei sempre o teu palm top.

Sangue pintado e real misturavam-se, dando calor e tempero próprios à fria arquitetura do lugar. Nenhuma tecnologia preenche a tristeza de quem ficou na mão.

(Voltaire de Souza)


Paulo Coelho é o caralho!
O bom e velho Voltaire merece uma cadeira na ABL imediatamente!
Obrigado pelo link, nemo!